A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE OS PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS NA IMPORTAÇÃO – ANÁLISE DO CRITÉRIO MATERIAL
Victor Rios Alves
RESUMO
O artigo busca esclarecer a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados quando no momento da importação, fazendo uma breve análise sobre suas características, analisando os preceitos emanados constitucionalmente, bem como correlacionando ao critério material.
Palavras-chaves: IPI; Importação; Revenda; Mercado Interno; Transferência de propriedade/posse; processo de industrialização.
1. INTRODUÇÃO
Como se sabe, a nossa Constituição Federal, em seu artigo 153, Inciso IV, delegou a competência tributária à União para a instituição do Imposto sobre Produtos Industrializados.
O parágrafo 3º, do supracitado artigo, determina a que o IPI deve ser: (i) seletivo, em função da essencialidade do produto; (ii) não cumulativo, devendo ser compensado em cada operação o montante cobrado na anterior; (iv) ser reduzido para a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto.
Analisando os dispositivos em questão, percebe-se que a nossa Magna Carta não faz qualquer menção quanto aos critérios a serem observados para a regra matriz de incidência.
De acordo com o explanado, não restam dúvidas que o critério material do IPI é complexo, uma vez que a Constituição se omitiu deste ato, afinal, seus termos são vagos e genéricos, transferindo os encargos para a Lei Complementar regular.
Portanto, é necessário realizar uma análise hermenêutica deste conteúdo. Para fazer esta interpretação, devemos delimitar o campo de aplicação do IPI, definindo em quais momentos não poderiam ser tributados, para somente então entender a intenção do legislador.
Desta feita, será feito uma análise do critério antecedente, sobre a modalidade material, o qual resultará em responder se, pelos mandamentos constitucionais, seria inconstitucional a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados, quando no momento da sua importação para a revenda no mercado interno.
2. COMPETÊNCIA PARA DEFINIR O FATO GERADOR
Antes de aborda o tema central do presente artigo, é importante levarmos em consideração qual ato normativo tem a competência para estabelecer o fato gerador de tributos.
Assim, à primeira vista, é de se notar que a Constituição Federal não estabelece a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados no momento da importação de mercadorias. Seria inconstitucional a sua previsão em outras legislações?
Já adianto que a resposta para essa pergunta é não! Isto porque a própria Constituição, no art. 146, Inciso III, Alínea A, afirma que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária que defina os respectivos fatos gerados.[1]
Desta maneira, o artigo 46, do Código Tributário Nacional contém as hipóteses em que o IPI será devido, sendo, portanto, constitucional.
3. A REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA: CRITÉRIO ANTECEDENTE MATERIAL
Como se sabe, a regra matriz de incidência tributária é uma forma de compreensão do fato gerador de cada tributo. Nestes termos, serão analisados a hipótese de incidência, que nada mais é do que a previsão legal em abstrato (lei) e o fato tributário imponível, que seria a concretização do ato previsto no comando da normativo.
Por tais razões, a hipótese de incidência é dividida em critérios antecedentes e consequentes. Do lado dos antecedentes, serão observados o critério (i) material; (ii) especial; (iii) temporal. Quanto ao consequente, são estudados os critérios (i) pessoais; e (ii) quantitativos.
Neste texto, nos limitaremos somente quanto a análise do critério antecedente material.
Conforme apontado no artigo “A indevida tributação do IPI na revenda do produto importado no mercado interno”, o critério material do Imposto sobre Produtos Industrializados se consubstancia em uma obrigação de dar, não podendo misturar com obrigação de fazer, sob pena de tributar o ISS ou ICMS.
Portanto, o fato gerador do IPI deve ser uma obrigação de dar um produto industrializado. Assim, cabe analisar a interpretação dada pelo legislador para o que é considerado produto industrializado.
Com base no Código Tributário Nacional, no seu parágrafo único do art. 46, “considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.”
De outra sorte, a Lei 4.502/64 define da seguinte maneira:
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo, considera-se industrialização qualquer operação de que resulte alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto, salvo:
I - o consêrto de máquinas, aparelhos e objetos pertencentes a terceiros;
Il - o acondicionamento destinado apenas ao transporte do produto;
III - O preparo de medicamentos oficinais ou magistrais, manipulados em farmácias, para venda no varejo, diretamente e consumidor, assim como a montagem de óculos, mediante receita médica.
IV - a mistura de tintas entre si, ou com concentrados de pigmentos, sob encomenda do consumidor ou usuário, realizada em estabelecimento varejista, efetuada por máquina automática ou manual, desde que fabricante e varejista não sejam empresas interdependentes, controladora, controlada ou coligadas.
Podemos concluir que o Imposto sobre Produtos Industrializados deverá incidir sempre que o bem sair do estabelecimento produtor e/ou do desembaraço aduaneiro, e o produtor/importador entregar a mercadoria depois de ter modificado a sua natureza, finalidade ou alterando para consumo.
Neste sentido, Leandro Paulsen leciona que, em seu sentido estrito, o aspecto material da hipótese de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) é "industrializar produto e celebrar operação jurídica que promova a transferência de sua propriedade ou posse".[2]
Tal entendimento vai de encontro ao proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.402.138/RS[3], que assim fixou:
[...] 3. O aspecto material do IPI alberga dois momentos distintos e necessários: a) industrialização, que consiste na operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para o consumo, nos termos do art. 4º do Decreto n. 7.212/2010 (Regulamento do IPI); b) transferência de propriedade ou posse do produto industrializado, que deve ser onerosa. [...]
Por fim, chama-se atenção para o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual a Primeira Turma, do Colendo Tribunal, entendeu que o simples deslocamento de produto sem mudança de titularidade não gera incidência do IPI[4].
Segundo a corte, “A saída do estabelecimento a que refere o art. 46, II, do CTN, que caracteriza o aspecto temporal da hipótese de incidência, pressupõe, logicamente, a mudança de titularidade do produto industrializado”.
Logo, sempre que houver modificação no produto em etapas de industrialização e acarrete, consequentemente, na transferência da posse ou propriedade deste bem, será devido o IPI.
4. O FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS
Continuando o estudo sobre a legislação do IPI, o Art , 46, do Código Tributário Nacional traz as hipóteses dos fatos geradores deste tributo, sendo elas:
Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Sempre que houver (i) desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira; (ii) saída do estabelecimento (importador; industrial; comerciante; ou arrematante); e (iii) pela arrematação de produtos apreendidos ou abandonados que foram levados a leilão.
4.1 A INCIDÊNCIA DO IPI QUANDO NO MOMENTO DA IMPORTAÇÃO
Como visto, os produtos de procedência estrangeira, quando do desembaraço aduaneiro, sofrerão com a incidência do IPI. Sobre o explanado, imperioso mencionar sua regulação nos artigos 46, inciso I e 47, inciso I, do CTN, que devem ser aplicados cumulativamente com o disposto no art. 2º, Inciso I, da Lei nº 4.502/64.
Aqui, devemos perceber que ao se tratar de produto industrializado estrangeiro, ocorrerá a tributação por meio do Imposto de Importação.
Desta maneira, analisando os arts. 20, Inciso II e 47, Inciso I, ambos do CTN, podemos concluir que a base de cálculo do IPI na importação corresponde à do Imposto de Importação.
Percebam que, pela dicção do comando normativo, o IPI será devido em dois momentos oportunos diversos: (i) quando incidentes sobre produtos importados do estrangeiro, como um adicional do Imposto de Importação; e (ii) quando for incidir sobre produtos industrializados brasileiros exportados e posteriormente importados.
4.2 DA TRIBUTAÇÃO INDEVIDA DE IPI SOBRE PRODUTOS DESTINADOS À REVENDA
Como abordado no artigo 51, Inciso I, do CTN, o importador é considerado como contribuinte do IPI, bem como o Industrial a ele equiparado na forma da lei, segundo o art. 51, Inciso II do referido código.[5]
Posto isso e de acordo com o demonstrado no tópico anterior, o IPI é considerado devido em duas situações diversas: (i) quando o produto brasileiro que foi exportado, for importado; e (ii) na revenda de produtos estrangeiros no mercado interno.
Consoante o analisado, a incidência tributária do IPI sobre produtos nacionais ou estrangeiros é devido e constitucional, desde que preenchido os requisitos da regra matriz de incidência tributária.
Rememorando a regra matriz de incidência do IPI, no seu critério material, observamos que o legislador determina a incidência do imposto sempre que houver transferência de titularidade do bem, com a consequente modificação estrutural, de natureza, de consumo, dentre outras modalidades possíveis.
De outro lado, é necessário analisar a interpretação jurisprudencial dada pelos nossos tribunais, no qual defendem a incidência do IPI diante no momento da revenda do produto industrializado ou reimportado, sem que tenha ocorrido novo processo que o modifique e dê ensejo à nova industrialização.
No caso do IPI de produtos estrangeiros/nacionais revendidos no mercado interno e que não estão sujeito a novo processo de industrialização, em verdade, o que acontece é uma tributação sobre a alteração da propriedade/posse da mercadoria, uma vez que não há modificação do produto para consumo, da sua natureza ou para a finalidade do bem.
Sublinha-se que o fato de o importador trazer produtos nacionais/estrangeiros para o País e revendê-los, não implica necessariamente na alteração estrutural; de consumo; finalidade, elementos necessários para a tributação do IPI.
A consolidação do posicionamento jurisdicional nesse sentido se dá em decorrência da interpretação dadas aos Artigos 4º, inciso I, e 35, inciso I, alínea a, da Lei Nº 4.502/64, bem como nos Artigos 46, inciso I, e 51, inciso II, do Código Tributário Nacional, que equiparam o importado ao estabelecimento industrial e entendem devido desde o momento da saída do estabelecimento importador). Vejamos:
TRIBUTÁRIO. IPI. INCIDÊNCIA SOBRE OS IMPORTADORES NA REVENDA DE PRODUTOS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. POSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento no sentido de que os produtos importados estão sujeitos à nova incidência de IPI na operação de revenda (saída do estabelecimento importador), ante a ocorrência de fatos geradores distintos. Precedentes.
2. Superado entendimento em sentido contrário.
3. Recurso especial não provido.
(Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial Nº. 1398721/SC, Segunda Turma, Relatora: CALMON, Eliana. Data de Publicação 27/11/2013.)
Pelo entendimento emanado pelo Superior Tribunal de Justiça, para a caracterização do IPI bastaria que estivesse configurado a alteração de propriedade ou a modificação na natureza do produto, não necessitando da aplicação cumulativa dos requisitos legais.
Deste modo, como já mencionado, se não existe qualquer descaracterização do produto estrangeiro ou nacional, passamos a tributar somente com fulcro na outra regra de incidência do IPI: A transferência de propriedade/posse no momento da revenda.
Esta hipótese se demonstra uma verdadeira barbaridade cometida pelas Autoridades Judiciárias, uma vez que não são respeitados os pressupostos mínimos para incidir o IPI.
Assim, é clarividente que o intuito é onerar a transferência do bem nas suas fases de produção, mesmo quando não há qualquer transformação da mercadoria apta a caracterizar a tributação pelo IPI.
Não obstante, como é de conhecimento geral, a tributação sobre a mercadoria, com mudança de titularidade, fica a cargo do ICMS e do ISS.
Logo, um produto estrangeiro, importado para revenda no mercado interno, estaria sendo tributado duas vezes pela celebração do negócio jurídico da compra e venda, o que viola manifestamente princípios que regem a matéria tributária.
Nesse sentindo, se faz necessário diferencia o bis in idem da dupla tributação. De acordo com o Ministro Luís Roberto Barroso, no âmbito da competência tributária, os institutos se diferem no seguinte ponto:
“[...] entre “bis in idem” (presença de um mesmo credor a exigir tributos distintos sobre o mesmo fato) e a dupla tributação (situação em que dois credores estão a exigir tributos próprios sobre o mesmo fato), constata-se que, muito embora possa se dar, em tese, a coincidência de incidência do imposto de renda e da contribuição social em tela sobre a mesma hipótese, observa-se equivaler o quadro a “bis in idem” não proibido pelo Texto Constitucional, como ocorre em diversas outras situações.”[6]
Logo, a situação se trata de uma dupla tributação, tendo em vista que são dois credores diferentes (União, pelo IPI e Estados pelo ICMS), que exigem tributos próprios sobre o mesmo fato: a circulação da mercadoria.
A situação é tão gravosa que viola até mesmo princípios como (i) da capacidade contributiva (Art. 145, parágrafo 1º da CF); (ii) da isonomia (art. 150, inciso II da CF); (iii) da livre concorrência (art. 170, IV da CF) e, especialmente, (iv) da legalidade (art. 150, I, da CF).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fortes sobre as razões expostas, podemos concluir que a regra matriz de incidência tributária do IPI, sob a análise material, seria a transferência da propriedade de produtos que sofreram processo de industrialização no território nacional.
Logo, temos dois requisitos para que a União possa exigir o pagamento do crédito tributário: (i) transferência da posse; (ii) processo de industrialização novo.
Todavia, segundo o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, o IPI deve ser recolhido nas operações de revendas de mercadorias importadas, mesmo sem sofrer qualquer tipo de processo de industrialização.
É evidente que a interpretação dada causa prejuízo a inúmeros importadores e viola manifestamente princípios basilares que regem o ordenamento tributário, atropelando institutos e alterando o alcance da norma por meio de interpretações para favorecer os cofres públicos, que arrecadam em cima desta situação.
Chega a ser esdrúxula a situação, uma vez que a interpretação lançada pelo STJ desnatura a intenção do legislador ao impor a incidência do IPI após o preenchimento dos seus requisitos.
Se assim o fosse, o IPI deveria ser tributado em todas as fases de produção, independentemente de sofrer ou não alteração.
Ressalta-se que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral desta matéria sob o tema de nº 906, do Recurso Extraordinário nº 946648/SC.
Diante do exposto, ainda existe uma possibilidade de que o entendimento dado à matéria possa ser modificado pelo Supremo Tribunal Federal, aplicando, de maneira correta, o critério material da regra matriz de incidência tributária, com a cumulação (i) da transferência de propriedade; e do (ii) processo industrial.
Willian, Erick. A indevida tributação do IPI na revenda do produto importado no mercado interno. Revista Tributária de Finanças Públicas. 2019
Machado Segundo, Hugo de Brito. Código Tributário nacional. Rio de Janeiro: Atlas, 2018. .
Constituição e Código Tributário comentados à luz da doutrina e da jurisprudência. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 837 ↑
(STJ - REsp: 1402138 RS 2013/0298017-6, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 12/05/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/05/2020) ↑
(STJ - REsp: 1402138 RS 2013/0298017-6, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 12/05/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/05/2020) ↑
STF - RE: 930029 SP - SÃO PAULO 0037747-81.1989.4.03.6100, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 01/12/2015, Data de Publicação: DJe-249 11/12/2015. ↑
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.